quinta-feira, 28 de outubro de 2010

Poesias utilizadas no 3o encontro (27/10/2010)

2 quadras de Fernando Pessoa:

Baila o trigo quando há vento
Baila porque o vento o toca
Também baila o pensamento
Quando o coração provoca

Tenho um segredo a dizer-te
Que não te posso dizer.
E com isto já to disse
Estavas farta de o saber...

2 quadras populares

lá no alto daquele morro
passa boi, passa boiada,
só não passa elefante
porque não joguei alpiste.

Eu subi numa roseira
para ver meu amor passar
meu amor não passou
eu desci cheio de espinhos.


I
Existe um rumo que as palavras tomam
como se mão alguma as desenhasse
na branca expectativa do papel

porém seguissem pura e simplesmente
a música das coisas e dos nomes
o canto irrecusável do real.

E nessa trajetória inesperada
a carne faz-se verbo em cada esquina
resolve-se completa em tinta e sílaba
em súbitas lufadas de sentido.

Você de longe assiste ao espetáculo
Não reconhece os fogos de artifício,
as notas que ainda engasgam seus ouvidos.
Porém você relê. E diz: é isso.

(Paulo Henriques Britto em "Trovar Claro")


Catar feijão (João Cabral de Mello Neto)

1.

Catar feijão se limita com escrever:
joga-se os grãos na água do alguidar
e as palavras na folha de papel;
e depois, joga-se fora o que boiar.
Certo, toda palavra boiará no papel,
água congelada, por chumbo seu verbo:
pois para catar esse feijão, soprar nele,
e jogar fora o leve e oco, palha e eco.


2.

Ora, nesse catar feijão entra um risco:
o de que entre os grãos pesados entre
um grão qualquer, pedra ou indigesto,
um grão imastigável, de quebrar dente.
Certo não, quando ao catar palavras:
a pedra dá à frase seu grão mais vivo:
obstrui a leitura fluviante, flutual,
açula a atenção, isca-a como o risco.


Parabólica

(Humberto Gessinger)

Ela pára

E fica ali parada

Olha-se para nada

(paraná)

Fica parecida

(paraguaia)

Pára-raios em dia de sol

Para mim

Prenda minha parabólica

Princesinha parabólica

O pecado mora ao lado

E o paraíso... paira no ar

... pecados no paraíso ...

Se a tv estiver fora do ar

Quando passarem

Os melhores momentos da sua vida

Pela janela alguém estará

De olho em você

Completamente paranóico

Prenda minha parabólica

Princesinha clarabólica

Paralelas que se cruzam

Em belém do pará

Longe, longe, longe (aqui do lado)

(paradoxo: nada nos separa)

Eu paro

E fico aqui parado

Olho-me para longe

A distância não separabólica


Construção (Chico Buarque)

Amou daquela vez como se fosse a última
Beijou sua mulher como se fosse a última
E cada filho seu como se fosse o único
E atravessou a rua com seu passo tímido
Subiu a construção como se fosse máquina
Ergueu no patamar quatro paredes sólidas
Tijolo com tijolo num desenho mágico
Seus olhos embotados de cimento e lágrima
Sentou pra descansar como se fosse sábado
Comeu feijão com arroz como se fosse um príncipe
Bebeu e soluçou como se fosse um náufrago
Dançou e gargalhou como se ouvisse música
E tropeçou no céu como se fosse um bêbado
E flutuou no ar como se fosse um pássaro
E se acabou no chão feito um pacote flácido
Agonizou no meio do passeio público
Morreu na contramão atrapalhando o tráfego

Amou daquela vez como se fosse o último
Beijou sua mulher como se fosse a única
E cada filho seu como se fosse o pródigo
E atravessou a rua com seu passo bêbado
Subiu a construção como se fosse sólido
Ergueu no patamar quatro paredes mágicas
Tijolo com tijolo num desenho lógico
Seus olhos embotados de cimento e tráfego
Sentou pra descansar como se fosse um príncipe
Comeu feijão com arroz como se fosse o máximo
Bebeu e soluçou como se fosse máquina
Dançou e gargalhou como se fosse o próximo
E tropeçou no céu como se ouvisse música
E flutuou no ar como se fosse sábado
E se acabou no chão feito um pacote tímido
Agonizou no meio do passeio náufrago
Morreu na contramão atrapalhando o público

Amou daquela vez como se fosse máquina
Beijou sua mulher como se fosse lógico
Ergueu no patamar quatro paredes flácidas
Sentou pra descansar como se fosse um pássaro
E flutuou no ar como se fosse um príncipe
E se acabou no chão feito um pacote bêbado
Morreu na contra-mão atrapalhando o sábado


trecho de "O Uivo" (Allen Ginsberg)

Eu vi os expoentes da minha geração, destruídos pela

loucura, morrendo de fome, histéricos, nus,

arrastando-se pelas ruas do bairro negro de madrugada

em busca de uma dose violenta de qualquer coisa,

hipsters com cabeça de anjo ansiando pelo antigo

contato celestial com o dínamo estrelado da

maquinaria da noite,

que pobres esfarrapados e olheiras fundas, viajaram

fumando sentados na sobrenatural escuridão dos

miseráveis apartamentos sem água quente, flutuando

sobre os tetos das cidades contemplando o jazz,

que desnudaram seus cérebros ao céu sob o Elevado

e viram anjos maometanos cambaleando iluminados

nos telhados das casas de cômodos,

que passaram por universidades com olhos frios e

radiantes alucinando Arkansas e tragédias à luz

de Blake entre os estudiosos da guerra,

que foram expulsos das universidades por serem loucos

& publicarem odes obscenas nas janelas do crânio,

que se refugiaram em quartos de paredes pintura

descascada em roupa de baixo queimando seu

dinheiro em cestos de papel escutando o Terror

através da parede,

que foram detidos em suas barbas púbicas voltando

por Laredo com um cinturão de marihuana para

Nova Iorque,

Que comeram fogo em hotéis mal pintados ou

Beberam terebentina em Paradise Alley, morreram ou

Flagelaram seus torsos noite após noite com

Som sonhos, com drogas, com pesadelos na vigília, (...)


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